Luís Vaz de Camões

by - segunda-feira, setembro 26, 2011

Poeta português (Lisboa ou Coimbra, c. 1524 – Lisboa, 1580), um dos vultos maiores da literatura da Renascença. Sua obra se coloca entre as mais importantes da literatura ocidental.Luís de Camões é considerado o poeta português mais completo de sua época, ou até mesmo de toda a literatura de língua portuguesa. É assim considerado não somente por ter feito uso de quase todos os gêneros poéticos tradicionais, mas também pela amplitude dos temas de que tratou e pelo excepcional domínio da língua. Camões manipulou todos os recursos da língua portuguesa, ampliando enormemente seu campo de expressão.
Fonte: Pensador.uol

AQUELA TRISTE E LEDA MADRUGADA

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se d'uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio
Que d'uns e d'outros olhos derivadas
S'acrescentaram em grande e largo rio.
Ela viu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.


O AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER


Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?


OS BONS VI SEMPRE PASSAR
 
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado.

BUSQUE AMOR NOVAS ARTES

Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.


COITADO! QUE EM UM TEMPO CHORO E RIO


Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Duma cousa confio e desconfio.
Vôo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.
Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;
Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!


DOCES LEMBRANÇAS DA PASSADA GLÓRIA


Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou Fortuna roubadora,
Deixai-me repousar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitória.
Impressa tenho n'alma larga história
Deste passado bem que nunca fora;
Ou fora, e não passara; mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.
Vivo em lembranças, mouro d'esquecido,
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.
Oh! quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.


LEDA SERENIDADE DELEITOSA


Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraíso;
Entre rubis e perlas doce riso;
Debaixo de ouro e neve cor-de-rosa;
Presença moderada e graciosa,
Onde ensinando estão despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser fermosa;
Fala de quem a morte e a vida pende,
Rara, suave; enfim, Senhora, vossa;
Repouso nela alegre e comedido:
Estas as armas são com que me rende
E me cativa Amor; mas não que possa
Despojar-me da glória de rendido.


MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

POSTO ME TEM FORTUNA EM TAL ESTADO

Posto me tem Fortuna em tal estado,
E tanto a seus pés me tem rendido!
Não tenho que perder já, de perdido;
Não tenho que mudar já, de mudado.
Todo o bem pera mim é acabado;
Daqui dou o viver já por vivido;
Que, aonde o mal é tão conhecido,
Também o viver mais será escusado,
Se me basta querer, a morte quero,
Que bem outra esperança não convém;
E curarei um mal com outro mal.
E, pois do bem tão pouco bem espero,
Já que o mal este só remédio tem,
Não me culpem em querer remédio tal.

SE TANTA PENA TENHO MERECIDA
Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes uma alma oferecida.
Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.
Mas contra vosso olhos quais serão?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.
Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

UM MOVER DE OLHOS BRANDO E PIEDOSO

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quasi forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;
Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

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