Ferreira gullar 1ª parte
Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira), nasceu no dia 10 de setembro de 1930, na cidade de São Luiz, capital do Maranhão, quarto filho dos onze que teriam seus pais, Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart. Inicia seus estudos no Jardim Decroli, em 1937, onde permanece por dois anos. Depois, estuda com professoras contratadas pela família e em um colégio particular, do qual acaba fugindo. Em 1941, matriculou-se no Colégio São Luís de Gonzaga, naquela cidade.
ARTE POÉTICA Não quero morrer não quero apodrecer no poema que o cadáver de minhas tardes não venha feder em tua manhã feliz e o lume que tua boca acenda acaso das palavras - ainda que nascido da morte - some-se aos outros fogos do dia aos barulhos da casa e da avenida no presente veloz Nada que se pareça a pássaro empalhado, múmia de flor dentro do livro e o que da noite volte volte em chamas ou em chaga vertiginosamente como o jasmim que num lampejo só ilumina a cidade inteira APRENDIZADO Do mesmo modo que te abriste à alegria abre-te agora ao sofrimento que é fruto dela e seu avesso ardente. Do mesmo modo que da alegria foste ao fundo e te perdeste nela e te achaste nessa perda deixa que a dor se exerça agora sem mentiras nem desculpas e em tua carne vaporize toda ilusão que a vida só consome o que a alimenta. BARULHO Todo poema é feito de ar apenas: a mão do poeta não rasga a madeira não fere o metal a pedra não tinge de azul os dedos quando escreve manhã ou brisa ou blusa de mulher. O poema é sem matéria palpável tudo o que há nele é barulho quando rumoreja ao sopro da leitura. DOIS E DOIS: QUATRO Como dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Embora o pão seja caro E a liberdade pequena Como teus olhos são claros E a tua pele, morena como é azul o oceano E a lagoa, serena Como um tempo de alegria Por trás do terror me acena E a noite carrega o dia No seu colo de açucena - sei que dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena. EVOCAÇÃO DE SILÊNCIOS O silêncio habitava o corredor de entrada de uma meia morada na rua das Hortas o silêncio era frio no chão de ladrilhos e branco de cal nas paredes altas enquanto lá fora o sol escaldava Para além da porta na sala nos quartos o silêncio cheirava àquela família e na cristaleira (onde a luz se excedia) cintilava extremo: quase se partia Mas era macio nas folhas caladas do quintal vazio e negro no poço negro que tudo sugava: vozes luzes tatalar de asa o que circulava no quintal da casa O mesmo silêncio voava em zoada nas copas nas palmas por sobre telhados até uma caldeira que enferrujava na areia da praia do Jenipapeiro e ali se deitava: uma nesga dágua um susto no chão fragmento talvez de água primeira água brasileira Era também açúcar o silêncio dentro do depósito (na quitanda de tarde) o cheiro queimando sob a tampa no escuro energia solar que vendíamos aos quilos Que rumor era esse ? barulho que de tão oculto só o olfato o escuta ? que silêncio era esse tão gritado de vozes (todas elas) queimadas em fogo alto ? (na usina) alarido das tardes das manhãs agora em tumulto dentro do açúcar um estampido (um clarão) se se abre a tampa. FILHOS Daqui escutei quando eles chegaram rindo e correndo entraram na sala e logo invadiram também o escritório (onde eu trabalhava) num alvoroço e rindo e correndo se foram com sua alegria se foram Só então me perguntei por que não lhes dera maior atenção se há tantos e tantos anos não os via crianças já que agora estão os três com mais de trinta anos. GALO GALO O galo no saguão quieto. Galo galo de alarmante crista, guerreiro, medieval. De córneo bico e esporões, armado contra a morte, passeia. Mede os passos. Pára. Inclina a cabeça coroada dentro do silêncio - que faço entre coisas? - de que me defendo? Anda. no saguão O cimento esquece o seu último passo Galo: as penas que florescem da carne silenciosa e o duro bico e as unhas e o olho sem amor. Grave solidez. Em que se apóia tal arquitetura? Saberá que, no centro de seu corpo, um grito se elabora? Como, porém, conter, uma vez concluído, o canto obrigatório? Eis que bate as asas, vai morrer, encurva o vertiginoso pescoço donde o canto rubro escoa. Mas a pedra, a tarde, o próprio feroz galo subsistem ao grito. Vê-se: o canto é inútil. O galo permanece - apesar de todo o seu porte marcial - só, desamparado, num saguão do mundo. Pobre ave guerreira! Outro grito cresce agora no sigilo de seu corpo; grito que, sem essas penas e esporões e crista e sobretudo sem esse olhar de ódio, não seria tão rouco e sangrento Grito, fruto obscuro e extremo dessa árvore: galo. Mas que, fora dele, é mero complemento de auroras. HOMEM SENTADO Neste divã recostado à tarde num canto do sistema solar em Buenos Aires (os intestinos dobrados dentro da barriga, as pernas sob o corpo) vejo pelo janelão da sala parte da cidade: estou aqui apoiado apenas em mim mesmo neste meu corpo magro mistura de nervos e ossos vivendo à temperatura de 36 graus e meio lembrando plantas verdes que já morreram JOÃO BOA MORTE CABRA MARCADO PARA MORRER Essa guerra do Nordeste não mata quem é doutor. Não mata dono de engenho, só mata cabra da peste, só mata o trabalhador. O dono de engenho engorda, vira logo senador. Não faz um ano que os homens que trabalham na fazenda do Coronel Benedito tiveram com ele atrito devido ao preço da venda. O preço do ano passado já era baixo e no entanto o coronel não quis dar o novo preço ajustado. João e seus companheiros não gostaram da proeza: se o novo preço não dava para garantir a mesa, aceitar preço mais baixo já era muita fraqueza. "Não vamos voltar atrás. Precisamos de dinheiro. Se o coronel não quer dar mais, vendemos nosso produto para outro fazendeiro." Com o coronel foram ter. Mas quando comunicaram que a outro iam vender o cereal que plantaram, o coronel respondeu: "Ainda está pra nascer um cabra pra fazer isso. Aquele que se atrever pode rezar, vai morrer, vai tomar chá de sumiço". 2ª Parte Compartilhe esse post com seus amigos |
4 comentários
oi amiga
ResponderExcluirque lindos poema
tens aqui,
linda tarde beijocas
, não só ele como outros que você já postou aqui, adoro poesias, beijosLu lindas poesias do Ferreira Gullar um poeta extraordinário.
ResponderExcluirOlá Lucimar
ResponderExcluirAdorei encontrar vc aqui na blogolândia. Sou Kinha do blog AMIGA DA MODA e vim conhecer seu espaço. Gostei e já estou te seguindo. Vou aguardar a sua visita e ficarei feliz se me seguir também.
Bjooooooooooooo......................
www.amigadamoda1.com
Olá Lucimar!
ResponderExcluirVim agradecer pela visita e conhecer seu blog. Tem muita informação interessante e que poesias...
Estou te seguindo.
Bjs,